segunda-feira, 18 de junho de 2012

A VIAGEM DE NOSSAS VIDAS (III)


A VIAGEM DE NOSSAS VIDAS  (III)

Jean Kleber Mattos

A sete quilômetros da Praça da Estação Ferroviária na  direção do Ipu, vê-se uma estrada lateral à esquerda. Ela leva rápido ao “Corte Branco”, clube de forró de Zeca Frosino. Naquele dia, 20, comemoravam-se lá as bodas de ouro do casal: seu Zeca e D. Maria. Viéramos de Brasília, preparados para a festa, a convite dos filhos de seu Zeca, amigos nossos que também moram na capital.

À noite, mais de trezentos convidados. Lá estávamos sentados à mesa, atentos ao início da cerimônia religiosa oficiada pelo pároco de Ipueiras. O batizado de três crianças e a renovação das promessas do casamento com a bênção das alianças. Emocionante. Toda a família presente. Depois, ouviu-se uma gravação com versos de Dalinha Catunda, contando a história do casal. A seguir, o discurso de seu Zeca. Falou que se orgulhava de suas conquistas, sobretudo de ter bem criado tantos filhos incluindo adotivos. Chamou ao microfone um velho amigo que falou em sua homenagem.

Depois, o churrasco com cerveja e refrigerante. Seu Zeca foi a todas as mesas cumprimentar cada convidado, enquanto dois jovens filmavam as cenas. Foi quando começou a música.

Com a chegada de Dalinha Catunda, amiga da família, tive a chance de conversar mais uma vez com a musa. Era como se a conhecesse de sempre, muito embora nossas conversas até então tivessem se dado unicamente via Internet. Uma personalidade ímpar. Como todo bom poeta, recitou de cor uma de suas pérolas. Encantadora.

Em função da viagem que faríamos no dia seguinte, saímos cedo da festa. Uma pena, pois a música já começava a animar os presentes. Minha mulher Heloisa, que sofrera uma torção no joelho ao ser apanhada por uma onda de praia em Fortaleza, esqueceu a dor e falou-me: “Pelo menos uma música vamos dançar, não é? Vir de tão longe e não dançar no forró de Zeca Frosino é imperdoável”. Assim foi feito. Mais uma para meu currículo.

Na manhã de domingo, 21, já estávamos de saída do hotel quando o dono apresentou-nos a Antonio Soares Mourão Filho, advogado e vereador há vinte anos em Ipueiras. Simpático e gentil, mostrou conhecer os históricos de minha família, tais como meu avô João Gomes de Matos e o ex-prefeito Sebastião Matos. Deste, descreveu os últimos momentos de vida, segundo relato de seu pai. Antônio foi colega de faculdade de Evandro Matos, filho de Socorro Matos, minha prima. Senti-me em casa naquele momento ao ouvir sobre meus ancestrais. Percorrendo as ruas mais uma vez, dei de cara com uma casa de esquina onde uma placa dizia: “vende-se”. Vontade de comprar. Vontade de ali ficar.

A partida, enfim. Tia Francisquinha incorporou-se à comitiva na volta para Fortaleza. Antes, visita à Matriz. Missa. Na saída da igreja, demos com a “boutique” de Dolores Aragão (Neta), de portas abertas. Chance de conhecê-la pessoalmente. Estava lá, com o marido. Sorte nossa. Belo casal. Encontro agradável. Simpatia. Promessas de retorno para mais convivência.

A caminho da Serra Grande. Pelo Ipu. A vista do imenso vale. Maravilha! Sucessão de graciosas cidades: Guaraciaba do Norte, São Benedito, Ibiapina. Em Ibiapina, o reencontro com primos e primas. Algumas formadas em faculdade. Lá mesmo. Admirável. Uma passada por Ubajara para ver o mirante e os bondinhos. Deslumbrante!

Voltamos pela Serra do Mucambo. Aterrador. Estrada ladeada por abismos imensos. Íngreme e estreita. Na maioria do trecho, cabe apenas um carro de passeio. Proibida a caminhões. Alguns “mercedinhos” burlam a regra.

Enfim, a planície! Sertão quente. Pela primeira vez na minha vida, fechei o vidro do carro para “refrescar”. Como sempre, os caminhões com a carroceria simples, sem proteção, transportando passageiros. Alguns tão cheios que, para não despencarem, os passageiros viajam, às risadas, segurando-se uns nos outros. Costumam vaiar quando são ultrapassados por outro veículo. Bom humor.

Ao longo da estrada, não poucas, humildes casas de taipa encimadas por antenas parabólicas. Contraste. Sacolas e garrafas de plástico poluindo todos os lugares. Não parece haver solução.

Em Itapajé, a “Pedra do Frade”. Acidente rochoso em forma de um monge com capuz. Marca registrada do lugar. Desde menino sempre admirei aquela pedra escultural. Mais recordações.

A chegada em Fortaleza se deu no fim da tarde, sem maiores novidades, a não ser o almoço, na estrada mesmo, paçoca com baião de dois e ovo estrelado.

No dia 22 o almoço com Solange, Marcondes, Walmir e Luis, na linda casa de Solange. Carneiro assado, com direito a cocada e “mousse” de maracujá. Comemoração antecipada do natalício do Marcondes, que seria no dia seguinte, 23, quando já estaríamos em Brasília. Conversamos a tarde inteira. Eu com Marcondes, recordando, entre outros, os “anos de chumbo”. Solange e Heloisa, professoras, trocando idéias sobre seu tema predileto: educação. Vanessa, universitária, aprendendo. Ivan, como sempre, às voltas com a bicharada: cabritos, porquinhos e cachorrinhos.

Praia, dia 23. Mais uma coincidência. Na barraca vizinha à nossa, o professor Reinhard Fuck, colega da UnB, com a família. A esposa dele, cearense, fora minha colega de igreja quando pré-adolescente. Mais reminiscências.

À tarde, o vôo até Brasília. Regresso. Ao decolarmos, minha mulher teria pronunciado a frase ideal para o encerramento desta história: Duro vai ser voltar ao batente em Brasília!

Vou um pouco além desse fecho. Não se faz uma viagem dessas “impunemente”. Queria dizer algo sobre a emoção de ver Ipueiras lá do alto da serra, já na volta, e sobre a certeza de que não devo, nem posso, perdê-la de vista. Ofereço-lhes por fim a dedicatória de Frota Neto, gravada no meu exemplar do QUASE:

“Kleber, nós estamos todos aqui. Seu Matos, D. Mundita, D. Luizinha, você. Pedaços do que hoje somos, integrais do que fomos (...).Com um abraço do conterrâneo e amigo, e todo o carinho do nosso tempo.”

Tenho dito!  

A VIAGEM DE NOSSAS VIDAS (II)


A VIAGEM DE NOSSAS VIDAS (II)

Jean Kleber Mattos 


O primeiro capítulo desta narrativa findou quando tomávamos a estrada do Canindé rumo a Ipueiras. Sete pessoas estavam na Van. Além do primo Valderi ao volante, eu, minha mulher Heloisa, meus filhos Vanessa e Ivan, minha prima Salete e seu sobrinho Pedro.  A chegada a Ipueiras estava prevista para treze horas. Almoçaríamos na casa de minha tia Francisca Matos (irmã de meu pai), mãe da Salete, antes de nos acomodarmos na cidade.
Próximo das treze horas a Serra Grande já se descortinava à nossa frente, cada vez mais perto, bela como sempre. Não demorou, estávamos rodando ao lado da ferrovia. Paramos a uns duzentos metros da estação ferroviária, na porta da casa de minha tia.
Ao desembarcarmos, perguntei ao Ivan:

-Lembra do quadro no apartamento da Tereza Mourão? Olha lá...! E apontei para a estação. Ivan abriu a boca e marcou o momento com uma expressão bem própria de sua geração:

- Caráca, véio! É ela!

Almoçamos baião de dois com galinha caipira e carne assada. Fiquei encantado com o imenso quintal, cheio de aceroleiras. Um grande pé de siriguela dominava a cena. De lá partimos a procura de hotel. Demos no “Caravelle”, lá no Vamos Ver. De cara, já gostei. Estilo colonial. Sou fã. 

À noite, a circulada noturna pelos caminhos de minha infância, hoje preenchidos por novos prédios e atrações. Remanescem, contudo, muitos marcos: a estação ferroviária, o primeiro a ser visto, depois, a casa de Pedro Aragão. Lá aconteceu o nosso emocionado encontro com a esposa Dolores, minha tia-prima. Também lá encontrei Rita, sua filha adotiva que conhecera quando criança. A lucidez e a elegância de D. Dolores me impressionaram vivamente. Curiosas e agradáveis reminiscências familiares vieram à tona em nossa conversa. Não pude deixar de admirar mais uma vez o belo piso ladrilhado daquela casa. A residência sempre me encantou desde menino. Tive saudade das antigas roseiras.

Paramos diante do portão das casas dos falecidos prefeitos: Sebastião Matos e Tim Mourão. Também diante da prefeitura. Descemos para admirar. A Igreja ainda estava toda iluminada. Como no fim do ano. O Cristo do morro era visto de qualquer ponto da cidade. Passamos várias vezes sob o belo Arco de N.S. de Fátima. No trajeto, eu contava as histórias.

Não me descuidei de curtir as duas casas nas quais passei a minha infância: primeiramente a de seu Hermógenes, que mantém a antiga arquitetura, na praça da matriz, hoje pertencente a um ilustre membro da família Aragão. Também fui à “casa de dona Adelaide”, a do Educandário, na antiga Praça Getúlio Vargas, hoje remodelada para o padrão hodierno de escola, com o nome de Escola de Ensino Fundamental Creusa Melo.

Admirei o açude. Décadas passadas eu o atravessei a nado, quando adolescente e atleta de natação em visita à cidade. Ele hoje tem a moldura do calçadão, lembrando a famosa Praia de Copacabana do Rio de Janeiro. Tomamos sorvete, alguns fabricados em Santa Quitéria, na praça central da cidade, ao som da música da Radio Macambira. Velhos sucessos.

Meu filho Ivan encantou-se com os bichos de fora do seu cotidiano: galinhas, cabras, bodes, cabritos e porcos “varudos”. Conviveu e desfilou com os caprinos. Os porcos, apenas admirou. Quase javalis, passaram ao largo. Sua grande aventura era escalar o pé de siriguela do hotel, frondoso, ao lado de duas oiticicas.

Sábado, fomos à feira. Eu procurava os doces e amiláceos da minha infância: palmas, manzapes, rapaduras, batidas e alfenins. Encontrei-os todos. Fotografei. A máquina, uma “Asahi Pentax” antiga, nada tinha de discreta. Em dado momento um feirante exclamou: “tem turista na feira!” Sorri junto. Minha mulher Heloisa e minha filha Vanessa apreciavam a culinária, as confecções e os produtos de beleza. Encantavam-se com os contrastes. Dos vestidos baratos da feira às roupas e sapatos “de marca“ das lojas e “boutiques”. Fizeram compras. Só na feira. Sacolas pesadas. Rapaduras, “batidas” e alfenins eram os itens preferidos.

Ainda na feira um moço me perguntou se íamos à Nova Russas. Ofereceu passagens num transporte coletivo. Uma camionete D-20, com a carroceria adaptada para o transporte de passageiros. Bancos simples de madeira. Tábuas serradas. Prático. Trafegam apinhadas. Gente pendurada. A cidade é cheia de motos, o que é comum no interior. Muitas jovens e senhoras pilotando. Às vezes, uma família inteira em cima. O piloto, o filho menor na frente e a esposa na garupa com o nenê no braço.

Subimos o morro do Cristo. Que lindo! Mais de trezentos degraus na branca escadaria que lhe dá acesso. Iluminado à noite, braços abertos, abençoa a cidade. Visão agredida pelas torres de telecomunicação. Fotografamos, como de costume, a vista panorâmica da cidade.

Impressionou-me o rio Jatobá nessa época seco e com as margens cheias de lixo e entulho, pelo menos no trecho que corta a cidade. Os plásticos, lixo abundante de lenta degradação, preocupam os ecologistas do planeta.

Novidades para mim, o Instituto Frota Neto, o Ginásio José de Arimatéia, o novo endereço da Farmácia São José, do saudoso Idálio Frota, na praça central da cidade, também conhecida como “Farmácia da Ruth”. Não encontrei Ruth. Estava em Fortaleza. Encontramos Carlinhos, seu filho, atendendo. A ele entreguei os exemplares do livro “Educação: Insistências e Mutações”, de Marcondes Rosa de Sousa, doação do autor à biblioteca do Instituto Frota Neto. Gentil, prontificou-se a contatar a Lurdite para que, mesmo no domingo, conhecêssemos o interior do instituto. Faltou-nos tempo.

Como sempre, o calor. E à noite, as cadeiras na calçada à frente das residências. As rodas de conversa. Papo animado. Hábito noturno para por os assuntos em dia e refrescar-se à brisa..

O trem ainda passa por Ipueiras. Apenas carga. Leva materiais ao Piauí e ao Maranhão. De lá, do Maranhão, traz, entre outros produtos, alumínio. Menos mal, pois pensei que os trilhos estavam ociosos haja vista ao aspecto ermo da Estação. Minha tia Francisquinha relatou a passagem, não raro, de duas a três composições por noite. Senti saudade do tempo em que o transporte ferroviário de passageiros fazia o charme da viagem à cidade.

Na manhã do dia 19 recebemos no hotel a visita de Dalinha, minha amiga ipueirense da Internet, poetisa e escritora. A musa literária da cidade. Nosso primeiro encontro. O privilégio de conhecê-la pessoalmente! Compartilhamos um tijolo de mamão, aquela rapadura molinha e gostosa.

Faltava enfim o acontecimento mor do dia 19, marcado para o final da tarde: as Bodas de Ouro de seu Zeca Frosino e D.Maria. Viéramos de Brasília preparados para a festa, a convite dos filhos de seu Zeca, amigos nossos que também moram na capital. Mas esse episódio fica para o terceiro capítulo.

Nada como um forró no melhor estilo do “Corte Branco”, o clube do seu Zeca.

A VIAGEM DE NOSSAS VIDAS (I)


A VIAGEM DE NOSSAS VIDAS (I)

Jean Kleber Mattos



Este é o relato de uma experiência de reencontro com Ipueiras e ipueirenses, parentes e amigos de minha infância, no período de 14 a 23 de janeiro de 2007, partindo de Brasília. Dividi-o em três capítulos para não me tornar fastidioso. Este é o primeiro deles.

Na véspera da viagem, ainda em Brasília, minha mulher Heloísa parecia tensa com a perspectiva do inusitado. “Fique tranqüila – falei – esta será a viagem de nossas vidas. Algo para ser sempre relembrado com alegria e saudade.” E de fato foi, conforme o relato a seguir.

Logo no dia da chegada em Fortaleza, domingo, o reencontro com Marcondes e Solange, os filhos de seu Wencery. Eles foram à casa de meu pai onde estávamos hospedados. Reencontraram o mestre do tempo de infância e conferiram a relíquia do Educandário, ou seja, os diários de classe, com seus nomes.  A seguir levaram-nos ao “Café do Sertão”, no Euzébio, onde compartilhamos tapiocas e cajuína. Não os via há décadas. Custava-me crer que aquilo tudo estava acontecendo. Dois ídolos meus da “Internet”. Ali, ao vivo e a cores, como diz Tereza Mourão. Papo universitário por excelência.

Na quarta feira, minha mulher e minha filha Vanessa faziam às compras à noite, na feira da Volta da Jurema, quando Ivan, meu filho mais novo, com sono, pediu para sentar num banco de praça. Ao nosso lado, no mesmo banco, uma simpática senhora nos perguntou de onde éramos. “De Brasília, mas sou cearense”, falei. “Eu também vim de Brasília”, retrucou ela, “mas nasci em Ipueiras. Sou da família Fontenele. Meu nome é Sandra.” Fiquei admirado: “conheço o Tadeu Fontenele do grupo da “Internet”, falei”. “Ela sorriu e disse: ele está vindo me apanhar...lá está ele !”. Atravessei a rua junto com ela e conheci pessoalmente o Tadeu que estava no carro, ao lado da irmã Maria Inês, que eu já conhecia de Brasília. Encontro inesperado. “Não existe acaso, Jean Kleber”, sentenciou mais tarde o Tadeu, quando nos falamos ao telefone: “a gente tinha que se encontrar”.

Na quinta feira pela manhã, fomos em família com seu Mattos a Aquiraz homenagear a minha mãe, D. Mundita, em seu jazigo naquela cidade. O reencontro com os primos da cidade. Acolhida carinhosa. Refresco de graviola. Flores, lágrimas e orações. À tarde, Solange levou-nos exemplares do livro “Educação: Insistências e Mutações”, de autoria do Marcondes: uma para meu pai, outro para mim (autografados) e mais alguns para o Instituto Frota Neto em Ipueiras. Eu seria o portador.

À noite foi o jantar no apartamento do Carlito Matos, meu primo, na companhia de Costa Matos, a esposa Aldery e mais os netos e a nora. Reviramos saudades, como diria Walmir Rosa. Vimos um “show” exclusivo e doméstico do Carlito, grande compositor e intérprete, misto de engenheiro de pesca, compositor, músico e humorista. Impagável! Bebemos à sabedoria de Costa Matos, que presenteou-me com quatro obras literárias premiadas de sua autoria: “Na Trilha dos Matuiús”, “Estações de Sonetos”, “O Rio Subterrâneo”, “O Povoamento da Solidão”, alem de seu Discurso de Posse como membro da Academia Cearense de Letras. Do Carlito, ganhei CDs e DVDs contendo suas composições e reportagens. Revi a simpatia de Aldery. Costa Matos é meu padrinho de crisma.

Na sexta pela manhã entramos de mala e cuia na “Van” do primo Valdery, contratado para nos levar à Ipueiras. Tomamos o caminho de Canindé. Mais curto e menos trafegado.

Começava ali o segundo capítulo da grande viagem, rumo aos reencontros emocionados, aos abraços, aos doces, feiras, festas e forrós...

Agüenta coração!