A
VIAGEM DE NOSSAS VIDAS (III)
Jean
Kleber Mattos
A
sete quilômetros da Praça da Estação Ferroviária na direção do Ipu, vê-se
uma estrada lateral à esquerda. Ela leva rápido ao “Corte Branco”, clube de
forró de Zeca Frosino. Naquele dia, 20, comemoravam-se lá as bodas de ouro do
casal: seu Zeca e D. Maria. Viéramos de Brasília, preparados para a festa, a
convite dos filhos de seu Zeca, amigos nossos que também moram na capital.
À
noite, mais de trezentos convidados. Lá estávamos sentados à mesa, atentos ao
início da cerimônia religiosa oficiada pelo pároco de Ipueiras. O batizado de
três crianças e a renovação das promessas do casamento com a bênção das
alianças. Emocionante. Toda a família presente. Depois, ouviu-se uma gravação
com versos de Dalinha Catunda, contando a história do casal. A seguir, o
discurso de seu Zeca. Falou que se orgulhava de suas conquistas, sobretudo de
ter bem criado tantos filhos incluindo adotivos. Chamou ao microfone um velho
amigo que falou em sua homenagem.
Depois,
o churrasco com cerveja e refrigerante. Seu Zeca foi a todas as mesas
cumprimentar cada convidado, enquanto dois jovens filmavam as cenas. Foi quando
começou a música.
Com
a chegada de Dalinha Catunda, amiga da família, tive a chance de conversar mais
uma vez com a musa. Era como se a conhecesse de sempre, muito embora nossas
conversas até então tivessem se dado unicamente via Internet. Uma personalidade
ímpar. Como todo bom poeta, recitou de cor uma de suas pérolas. Encantadora.
Em
função da viagem que faríamos no dia seguinte, saímos cedo da festa. Uma pena,
pois a música já começava a animar os presentes. Minha mulher Heloisa, que
sofrera uma torção no joelho ao ser apanhada por uma onda de praia em
Fortaleza, esqueceu a dor e falou-me: “Pelo menos uma música vamos dançar, não
é? Vir de tão longe e não dançar no forró de Zeca Frosino é
imperdoável”. Assim foi feito. Mais uma para meu currículo.
Na
manhã de domingo, 21, já estávamos de saída do hotel quando o dono
apresentou-nos a Antonio Soares Mourão Filho, advogado e vereador há vinte anos
em Ipueiras. Simpático e gentil, mostrou conhecer os históricos de minha
família, tais como meu avô João Gomes de Matos e o ex-prefeito Sebastião Matos.
Deste, descreveu os últimos momentos de vida, segundo relato de seu pai.
Antônio foi colega de faculdade de Evandro Matos, filho de Socorro Matos, minha
prima. Senti-me em casa naquele momento ao ouvir sobre meus ancestrais.
Percorrendo as ruas mais uma vez, dei de cara com uma casa de esquina onde uma
placa dizia: “vende-se”. Vontade de comprar. Vontade de ali ficar.
A
partida, enfim. Tia Francisquinha incorporou-se à comitiva na volta para
Fortaleza. Antes, visita à Matriz. Missa. Na saída da igreja, demos com a
“boutique” de Dolores Aragão (Neta), de portas abertas. Chance de conhecê-la
pessoalmente. Estava lá, com o marido. Sorte nossa. Belo casal. Encontro
agradável. Simpatia. Promessas de retorno para mais convivência.
A
caminho da Serra Grande. Pelo Ipu. A vista do imenso vale. Maravilha! Sucessão
de graciosas cidades: Guaraciaba do Norte, São Benedito, Ibiapina. Em Ibiapina,
o reencontro com primos e primas. Algumas formadas em faculdade. Lá mesmo.
Admirável. Uma passada por Ubajara para ver o mirante e os bondinhos.
Deslumbrante!
Voltamos
pela Serra do Mucambo. Aterrador. Estrada ladeada por abismos imensos. Íngreme
e estreita. Na maioria do trecho, cabe apenas um carro de passeio. Proibida a
caminhões. Alguns “mercedinhos” burlam a regra.
Enfim,
a planície! Sertão quente. Pela primeira vez na minha vida, fechei o vidro do
carro para “refrescar”. Como sempre, os caminhões com a carroceria simples, sem
proteção, transportando passageiros. Alguns tão cheios que, para não
despencarem, os passageiros viajam, às risadas, segurando-se uns nos outros.
Costumam vaiar quando são ultrapassados por outro veículo. Bom humor.
Ao
longo da estrada, não poucas, humildes casas de taipa encimadas por antenas
parabólicas. Contraste. Sacolas e garrafas de plástico poluindo todos os
lugares. Não parece haver solução.
Em
Itapajé, a “Pedra do Frade”. Acidente rochoso em forma de um monge com capuz.
Marca registrada do lugar. Desde menino sempre admirei aquela pedra escultural.
Mais recordações.
A
chegada em Fortaleza se deu no fim da tarde, sem maiores novidades, a não ser o
almoço, na estrada mesmo, paçoca com baião de dois e ovo estrelado.
No
dia 22 o almoço com Solange, Marcondes, Walmir e Luis, na linda casa de
Solange. Carneiro assado, com direito a cocada e “mousse” de maracujá.
Comemoração antecipada do natalício do Marcondes, que seria no dia seguinte,
23, quando já estaríamos em Brasília. Conversamos a tarde inteira. Eu com
Marcondes, recordando, entre outros, os “anos de chumbo”. Solange e Heloisa,
professoras, trocando idéias sobre seu tema predileto: educação. Vanessa,
universitária, aprendendo. Ivan, como sempre, às voltas com a bicharada:
cabritos, porquinhos e cachorrinhos.
Praia,
dia 23. Mais uma coincidência. Na barraca vizinha à nossa, o professor Reinhard
Fuck, colega da UnB, com a família. A esposa dele, cearense, fora minha colega
de igreja quando pré-adolescente. Mais reminiscências.
À
tarde, o vôo até Brasília. Regresso. Ao decolarmos, minha mulher teria
pronunciado a frase ideal para o encerramento desta história: Duro vai ser
voltar ao batente em Brasília!
Vou
um pouco além desse fecho. Não se faz uma viagem dessas “impunemente”. Queria
dizer algo sobre a emoção de ver Ipueiras lá do alto da serra, já na volta, e
sobre a certeza de que não devo, nem posso, perdê-la de vista. Ofereço-lhes por
fim a dedicatória de Frota Neto, gravada no meu exemplar do QUASE:
“Kleber,
nós estamos todos aqui. Seu Matos, D. Mundita, D. Luizinha, você. Pedaços do
que hoje somos, integrais do que fomos (...).Com um abraço do conterrâneo e
amigo, e todo o carinho do nosso tempo.”
Tenho
dito!