domingo, 16 de maio de 2010

O MAPA DO TERRITÓRIO

Fundo de quintal (Afonso Lopes)

Por
Jean Kleber Mattos

Publicado no Blog Ipueiras em 23/04/2006 por Marcondes Rosa.

São vinte horas e dez minutos em Brasília, deste 23 de abril de 2006. Há pouco, eu conversava com minha mulher Heloisa, uma carioca de morou em Natal-RN, sobre Ipueiras. De tanto compartilhar comigo esta experiência “webica”, ela quer conhecer a cidade. Digo-lhe que a Ipueiras que ela está vendo não existe no plano real. Nós a recriamos.

Estamos compartilhando a nossa criação. A Ipueiras real está na crônica de Marcondes Sousa - TECENDO UMA NOVA MANHÃ, uma das mais densas que já li. Também a virtual. Nela fico sabendo quem criou o sítio: “Braga...um dia, com apoio de Frota, Dalinha e de muitos, conseguiu plantar, na Web, um “sítio”... “Braga e Everardo...seus “sítios”, o www.ipueiras.com, o Grupo Ipueiras e o Blog ipueiras”.

Também vejo a tradução de Walmir Rosa: “Num passe de mágica (ou de mouse), transporto-me até Ipueiras como se estivesse na ‘avenida’, sentado no chão, conversando numa roda de amigos, revirando saudades”. É exatamente o que sinto quando acesso o “sítio”. A Ipueiras real é a casa de Edmundo Medeiros sendo destinada a um trabalho social profissionalizante. Também as novas gerações que encontramos no “Orkut”. E Marcondes é didático quando fala no Instituto Frota Neto...”que se planta em território real (além do virtual) em Ipueiras”.

E sobre as homenagens “como as devotadas a Gerardo Mello Mourão, cuja pena, entre outras temáticas, dedicou-se a falar d’O País dos Mourões...”. O apelo poético da manhã criada pelo canto dos galos numa citação bem colocada de João Cabral de Melo Neto, encerra a crônica, causando emoção.

Para mim a Ipueiras recriada é uma experiência profunda porque vivida com profundidade. Até assusta. Dá medo que nos escape pelas mãos.

TECENDO UMA NOVA MANHÃ aí está para nortear-me na minha redescoberta de Ipueiras. Se Tereza Mourão me apontou o rumo, a bela crônica do professor Marcondes é o mapa do território. Não vai demorar, levarei Heloisa e as crianças (Vanessa e Ivan) para conhecer a Ipueiras real. Que também será virtual, quando lá chegarmos. Temos o mapa.

Comentário do primeiro editor, Marcondes Rosa:

"Jean Kleber, Percepção é transfiguração. Seus olhos, em minha crônica, a metamorfosearam. Nós, de certo modo, fazemos isso com Ipueiras. Os quadros artísticos são transfiguração. E sonhos são, sim, voz daqueles de quem fala Bilac: Só quem ama é capaz de ouvir e entender estrelas. Grato pelo olhar e o sonho..."

MILETO, O ADVOGADO DE “SEU” EDMUNDO

Capela do Charito

Por
Jean Kleber Mattos
Publicado no Blog Ipueiras em 22/04/2006 por Marcondes Rosa.

Meu pai (Neném Mattos) sempre me fala, com muito carinho, de seus amigos dos tempos de solteiro em Ipueiras. Gosta de contar uma “estória” envolvendo dois companheiros por quem sempre teve grande admiração: Edmundo Medeiros e Mileto Catunda. Ri muito quando rememora o espírito brincalhão de Mileto e a compenetração de Edmundo no episódio.

Nos idos tempos de solteiro, Edmundo tinha uma namorada no Charito. Um dia, entusiasmado com a programação dos colegas de Ipueiras, deu o “bolo” na namorada.

A menina era brava, e ele, com medo da bronca, levou consigo, no dia seguinte quando do encontro com a namorada, o amigo Mileto Catunda. Ele seria seu “advogado”. Confirmaria toda a sua história, etc.

Chegados à casa da moça, sentaram-se confortavelmente na sala de visitas. A namorada então começou a queixar-se do “bolo” e acresceu mais algumas reclamações ao discurso, buscando apoio moral justamente em Mileto Catunda.

Aos poucos, Mileto foi sendo nucleado pela exposição da moça e começou a esboçar preocupantes sinais de solidariedade, embora durante toda a conversação se mantivesse calado. Apenas um bom ouvinte.

De repente, uma pausa respiratória da interlocutora e Mileto acenou que finalmente falaria. Edmundo, ali postado, esperou os elogios do amigo Mileto ao seu caráter e a confirmação de suas justificativas, conforme haviam combinado.

Qual não foi sua surpresa, porém, quando, respirando fundo, Mileto sentenciou:

-O cabra é sem vergonha!

OS INESQUECÍVEIS CADERNOS DE CALIGRAFIA

Por
Jean Kleber Mattos

Publicado no Blog Ipueiras em 17/04/2006 por Marcondes Rosa.

Professor Marcondes propôs-nos uma reflexão sobre as bases de nossa educação em Ipueiras naqueles idos, representadas pelas mestras pioneiras da cidade: D. Isa, D. Ester, D. Diana, D. Mundita, D. Augusta, D. Estudilha...

Recentemente, conversando em Brasília com um ipueirense aqui radicado, relembrei uma menina que, de tão bela, balançara meu coração quando eu tinha apenas seis anos de idade. O jovem amigo comentou, reflexivo:

- Não foi apenas o seu. O meu também. Eu fui aluno dela!

Soube então que, hoje sexagenária, ela conserva a beleza com que Deus a abençoou... Desculpem-me, vou deixar o devaneio e voltar ao tema.

Propus-me a dar meu testemunho mesmo não sendo um pedagogo. Costumo dizer a meus colegas de escola que somos pesquisadores a dar aulas, acidentalmente promovidos a professores.

Fui alfabetizado por minha avó, D. Luizinha. Mesmo contando com a ajuda de meu pai (Neném Mattos) e de minha mãe (D. Mundita), é dela que me lembro mais vivamente.Fez-me um álbum onde colava recortes de vultos ilustres da história do Brasil. Já diziam os americanos nos anos 50, uma figura vale mais que cem palavras. Contava “estórias “ sobre eles.

Descrevia suas personalidades. Envolvimento. Com ela aprendi a gostar mais de José Bonifácio, o patriarca, que de D. Pedro I, o herói. Conservo este álbum até hoje, assim como minhas provas do curso primário em Ipueiras. Se meu pai ensinou-me cidadania e minha mãe o código moral do cristianismo, com minha avó aprendi a ter compaixão.

Quando leio Dalai Lama, lembro-me de minha avó. Vários autores manifestaram-se sobre a pedagogia da amizade. Faça um amigo e ele lhe dará ouvidos. O filme “A Noviça Rebelde” aborda, em linguagem cinematográfica essa proposta.

Não fui aluno de D. Isa, nem de D. Ester, nem de D. Diana, mas aprendi a respeitá-las. D. Isa, que conheci mais de perto, pelo “embrujo” como dizem os espanhóis. Ela sempre transpirou santidade. D. Ester, pelo heróico pioneirismo. Ela foi professora de Neném Mattos, meu pai. A D. Diana que conheci, admirava-a como musicista. Ela fazia a música da igreja, ao órgão. A gente chamava “harmônio”. Dividiu essa tarefa durante algum tempo com minha mãe. Minha avó também a adorava. Minha mãe reverenciava uma colega de Grupo Escolar, D. Augusta, mãe da Miraugusta e da Dalva. D. Estudilha era para nós a mulher culta, letrada. Lembro-me de D. Estudilha comprando os materiais didáticos da escola de meu pai quando ele deixou Ipueiras..

Nós nordestinos sabemos enriquecer a língua pátria. Cultivamos o termo “desasnar”, cujo significado vai além do termo alfabetizar. Significa a inclusão de um asno no universo da humanidade. Um ato de caridade. Pois bem, nossas mestras nos desasnavam...

Meus filhos mais novos, a Vanessa (hoje universitária) e o Ivan (com dez anos), recusaram a escola em tenra idade. Respeitei. Esperamos um ano ou até mais até que eles escolhessem a escola. O caso do Ivan foi mais eloqüente. Ele finalmente aceitou uma escola de Brasília que funcionava em uma área residencial. Não tinha “cara” de escola. Atendia crianças de classe remediada no pequeno bairro do Cruzeiro Velho.

Chama-se Recanto Cultural. O aluno era sempre recebido ao portão por uma “tia”. Sempre com um sorriso, mesmo que chegasse atrasado. Uma escola pequena, aconchegante. Lembro-me de ver um recreio (ou atividade esportiva) deles. Uma “pelada”, com bola pequena, no meio da rua. Como fazíamos em Ipueiras. Duas pequenas toras de madeira marcavam o gol.

Improvisação genial. Uma “tia” tomava conta. Chorei na formatura de 3ª. Série do Ivan. Em parte por orgulho de pai. Em parte por saudade da escola. Dali, por recomendação, ele foi para uma escola chamada Mundo Mágico. Nesta, as atividades matinais iniciavam-se às 7,30. As crianças de todas as turmas eram reunidas em um salão aberto onde faziam um rápido alongamento, declamavam poesias e rezavam o Pai Nosso. Só então, perto de 8 horas dirigiam-se às salas de aula. Às sextas-feiras hasteavam nossa bandeira e cantavam o Hino Nacional. Essas ações acomodavam os que chegavam atrasados e satisfaziam, a meu ver, a paranóia do MEC (200 períodos de 5 horas por ano!). Ao portão, uma “tia” bonita e simpática beijava todas as crianças que chegavam.

Difícil adaptar-se a outra escola quem nessa estudasse. Concordam? Eu não consigo falar de educação sem mencionar a pedagogia da amizade. Seu custo é alto. Mas ela é edificante. Distante ainda de nós o aprendizado com estresse mínimo, sem traumas. Mas não custa sonhar.

Gostaria de falar também de formação integral e férias escolares, mas fica para uma outra oportunidade.

Professores também têm filhos. Movem-se, portanto, em mão dupla!

IDADE DO ZACARIAS

Praça Getúlio Vargas: um dos abrigos de Zacarias.
Por
Jean Kleber Mattos
Publicado no Blog Ipueiras em 16/04/2006 por Marcondes Rosa

No Blog do Grupo Ipueiras, leio que Frota Neto em seu livro “Quase” à pág. 365, abriu espaço ao Pe. Francisco Correia Lima transcrevendo-o sobre os doidos de Ipueiras, entre os quais o Zacarias: “O Zacarias falava sem nexo e, quando bebia, tornava-se furioso, riscando faca no chão, desafiando a quem quisesse ‘correr dentro’, como ele dizia”.

Ao ler o texto lembrei-me que, para mim, o que mais chamava a atenção em Zacarias era que ele vestia várias roupas ao mesmo tempo, uma por sobre a outra. Andava parecendo um barril. Se fizéssemos um filme sobre o Zacarias este poderia se chamar: “O homem que não tinha guarda-roupa”.

Uma vez à noite ele apareceu lá em casa e perguntou à minha avó, D. Luizinha, se ela tinha um prato de comida para ele. Minha avó caprichou no prato fundo: galinha assada, arroz e feijão. A calçada era alta e dava um bom assento. Zacarias sentou e “mandou ver”. A curtíssima distância, nosso gato o “paquerava” a espreita de alguma sobra ou migalha caída. Perdeu tempo. Zacarias varreu o prato.

De uma história que meu pai (Neném Matos) sempre me contava, faço-me portador aos amigos de Ipueiras:

Zelosos quanto ao trato para com seus cidadãos, autoridades ipueirenses, em fins da década dos 40 enviaram para exame psicológico em Fortaleza, duas pessoas de Ipueiras: um jovem escolado e o Zacarias. Ambos haviam sido considerados excêntricos pela comunidade.

Para verificar se o paciente era minimamente centrado, os médicos resumiram a primeira parte do exame a perguntas triviais do tipo nome, idade, filiação etc... O jovem escolado respondeu correta e coerentemente às perguntas, razão por que os médicos classificaram sua situação como “distúrbio leve”.

Seguiu-se o exame do Zacarias com um diálogo insólito.

- Seu nome?
- “Zacaria”.
-Zacaria de que?
- Zacaria de Zacaria.
-O nome de seu pai...
- Zacaria.
-Também Zacaria?
-Também Zacaria
-O nome de sua mãe...
- Zacaria.
-Tudo Zacaria?
- Tudo Zacaria.-
- Sua idade?
- Duzentos anos seis meses e um dia. Completei hoje!
O diagnóstico não se fez esperar.

PERPÉTUA MOURÃO, FROTA NETO E O SAPATO "BALLET"


Por
Jean Kleber Mattos
Publicado no Blog Ipueiras em 08/04/2006 por Marcondes Rosa de Sousa

A escola de “seu” Neném Mattos tinha uma quadra de vôlei. Simples, de chão batido. Se fosse de areia seria “vôlei de praia”. Ficava numa área lateral a casa-escola.

Alem da área da quadra tinha mais um pequeno espaço que podíamos chamar de “playground”. Em frente, erguia-se uma cerca de “vara-a-pique”. Do outro lado, era o galinheiro onde Dona Mundita criava galinhas caipiras. E não eram poucas.

A criançada brincava de “trisca” (pique-pega) na quadra à noite, quando algum evento reunia seus pais por ali. Tiravam os calçados para brincar.

Uma noite, quando todos já se preparavam para partir e buscavam seus calçados, eis que Perpétua Mourão percebeu que alguém se apropriara dos seus. Eles estavam nas mãos de Frota Neto, que na época devia ter, se muito, oito anos.

Era um tipo de sapatilha conhecida, na época, como “sapato ballet”. Ela partiu para a perseguição ao endiabrado menino que a cada drible saia pulando e gritando com pronúncia bem própria:

- Sapatinho “bailé”! ... Sapatinho “bailé”!

Mas Perpétua não era fácil. Em dado momento, vendo que seria alcançado, o “Antônio”, como eu o chamava, atirou as sapatinhas da menina por sobre a cerca de “vara-a-pique”, dentro do galinheiro de Dona Mundita”!

A cerca era intransponível. Contornamos por dentro da casa e com a ajuda dos adultos que portavam lanternas, finalmente as sapatilhas foram encontradas. Ainda limpas felizmente, considerando os “resíduos” próprios daquele criatório.

Durante o governo Sarney, quando, diante da TV eu ouvia com atenção a proficiência do grande porta-voz Frota Neto, por vezes eu começava a rir, lembrando-me daquela traquinagem:

- Sapatinho “bailé”!... Sapatinho “bailé” !...

COÇA-COÇA, O RÁDIO E A ALEMANHA

Foto:Simulação da capa da Veja para 1939

Por
Jean Kleber Mattos

Publicado no Blog Ipueiras em 04/04/2006 por Marcondes Rosa de Sousa

No início da década de 50, os rádios “Telefunken”, a válvula, estavam em fase de lançamento. O reinado dos “Phillips” parecia ameaçado. A vedete era o modelo “Largo”.

Um vendedor estava em Ipueiras para fazer demonstrações. Como a energia elétrica do gerador da cidade somente à noite era ligada, ele portava uma bateria para os testes. Chegando à nossa casa, preparou-se para instalar o aparelho.

Em nossa casa, a sala de visitas e a sala de jantar eram a mesma. A porta dava direto para a rua e estava aberta. Aguardávamos a demonstração quando surgiu na moldura da porta a figura do Coça-coça, o mendigo-doido mais conhecido da cidade. Aliás, muito bem descrito no “blog” de Ipueiras por Darci Weihs.

Organizado, portava suas três sacolas de coleta, de tecido de algodão: a da farinha, a do arroz e a do feijão. Pareceu interessar-se pelo aparelho.

-Isso é um rádio?
-Sim. Respondeu o vendedor.
-Ele fala?
-Sim.
-Eu posso falar?
O vendedor parecia já saber de quem se tratava.
-Sim. Fale aqui!

E apresentou-lhe o terminal de pinos do cabo do aparelho como se fosse um microfone. O homem levou o terminal à altura da boca e transformou-se. Empertigou-se, inchou a veia do pescoço e, com o olhar rútilo, vociferou:

-Aqui fala....Vicente Araújo de Quintas!..Prefeito do Curupati!...General de “Lemanha”!.... E por aí foi.

Os circunstantes riram do delírio. Estávamos diante de uma incompatibilidade de cargos e patentes. Improvável que alguém, prefeito do Curupati, fosse um general da Alemanha. De alemão ali só tinha o rádio.

De tudo, restou-me uma pergunta: afinal quem era Vicente Araújo de Quintas? Eu tinha seis ou sete anos na ocasião e acreditei ser aquele o nome verdadeiro do Coça-coça.

Nunca tratei deste assunto com alguém. A dúvida permanece até hoje.

SOLANGE, O BRINCO E O AMBULATORIO DE D. LUIZINHA

Na foto, Solange criança
Por
Jean Kleber Mattos
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Publicado no Blog Ipueiras em 29/03/2006 por Marcondes Rosa de Sousa
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Minha avó, D. Luizinha, tinha mãos de fada. Em casa, era minha “enfermeira” predileta. Tirar um dente mole, sacar um estrepe, sarjar um furúnculo, fazer um curativo era com ela mesma. E tudo com misericórdia. Indolor tanto quanto possível.
O arsenal cirúrgico era simples: agulhas de costura, tesouras, toalhas limpas ou a própria mão bem lavada. A assepsia era feita com álcool, água oxigenada ou sabão “Pavão”. Contudo, seu desinfetante preferido era a Hipoclorina, comprada na farmácia de “seu” Idálio. Vinha em garrafinhas esguias de cor âmbar. Elegante. Hoje o produto está banalizado com o nome de “água sanitária”. Ela costumava “distrair” o paciente contando casos. Uma forma ancestral de anestesia, certamente.
No início dos anos 50, a escola de meu pai (Neném Mattos), funcionava a todo vapor. Numa tarde, eis que uma aluna de nome Solange queixou-se de dor na orelha. Era a filha de “seu” Wencery. Dona Luizinha examinou-lhe a orelha. O lobo estava avermelhado e edematoso no local do brinco. Sinal de infecção. A avó ofereceu-lhe duas alternativas: acompanhá-la até sua casa ou tratá-la ali mesmo na escola.
Incentivada pelas colegas, Solange, mesmo receosa, escolheu a segunda opção. Contando casos, D. Luizinha, com habilidade, retirou o brinco. Vitoriosa, exibiu o troféu à vista da paciente. Ainda se podia ver uma pequena gota vermelha que restara na peça.
Ao ver aquele quadro, Solange desmaiou por breves segundos preocupando a todos. Logo, “voltou”. Na época se dizia “deu uma agonia”. Seguiu-se a assepsia. Para alívio de todos, passado o susto, Solange abriu um belo sorriso. Todos comemoraram e D. Luizinha aproveitou para fazer um “comercial” inusitado:
- Eu sou boa nessas coisas. Já sequei até vestido molhado com o ferro de engomar!...

ECOS DO PASSADO


Na foto, da esq. para a dir. Sebastião Mattos sobrinho, Jean Kleber Mattos e Tereza Mourão.

Por
Jean Kleber Mattos
Publicado no Blog Ipueiras em 28/03/2006 por Marcondes Rosa de Sousa

Defender-se com unhas e dentes tem para nós, civilizados, um sentido figurado. Na primeira infância, logo em seu início, não.
É real. Algumas crianças defendem-se mordendo. Na pré-adolescência eu ouvia, em desespero posto que envergonhado, as narrativas de minha avó, D. Luizinha, sobre minhas reinações da primeira infância, lá pelos dois anos de idade.
Eu mordera duas crianças que brincavam comigo. Meu desespero e vergonha aumentavam quando a narrativa, reforçada solidariamente por minha mãe quando presente, descia a detalhes tais como: “a marca dos dentes ficou na pele”.
Minha avó declinava o nome das vítimas: Edivá e Darcí. Edivá, nas costas. Darci, no braço.
Anos mais tarde, já universitário, descobri que Darci era minha contemporânea de escola de agronomia mesmo não pertencendo à mesma turma. Moça bem educada e de voz doce sempre que conversávamos era inevitável de minha parte um certo desconforto pelo receio de que, guardada na memória de minha adorada colega, restasse algo daquela cena violenta.
Em recente reunião em sua casa em Brasília, Silvia Mourão, a quem visitava em companhia de meu pai, o “seu” Mattos e de minha família, na presença da Carmen e da Tereza, deu-me notícias de Darci. Está na Alemanha. Mostrou-me fotos. Narrei-lhes a minha vergonha. Riram do inusitado. Ainda hoje, mesmo “levando” o fato na brincadeira eu ainda me sinto envergonhado.