domingo, 16 de maio de 2010

OS INESQUECÍVEIS CADERNOS DE CALIGRAFIA

Por
Jean Kleber Mattos

Publicado no Blog Ipueiras em 17/04/2006 por Marcondes Rosa.

Professor Marcondes propôs-nos uma reflexão sobre as bases de nossa educação em Ipueiras naqueles idos, representadas pelas mestras pioneiras da cidade: D. Isa, D. Ester, D. Diana, D. Mundita, D. Augusta, D. Estudilha...

Recentemente, conversando em Brasília com um ipueirense aqui radicado, relembrei uma menina que, de tão bela, balançara meu coração quando eu tinha apenas seis anos de idade. O jovem amigo comentou, reflexivo:

- Não foi apenas o seu. O meu também. Eu fui aluno dela!

Soube então que, hoje sexagenária, ela conserva a beleza com que Deus a abençoou... Desculpem-me, vou deixar o devaneio e voltar ao tema.

Propus-me a dar meu testemunho mesmo não sendo um pedagogo. Costumo dizer a meus colegas de escola que somos pesquisadores a dar aulas, acidentalmente promovidos a professores.

Fui alfabetizado por minha avó, D. Luizinha. Mesmo contando com a ajuda de meu pai (Neném Mattos) e de minha mãe (D. Mundita), é dela que me lembro mais vivamente.Fez-me um álbum onde colava recortes de vultos ilustres da história do Brasil. Já diziam os americanos nos anos 50, uma figura vale mais que cem palavras. Contava “estórias “ sobre eles.

Descrevia suas personalidades. Envolvimento. Com ela aprendi a gostar mais de José Bonifácio, o patriarca, que de D. Pedro I, o herói. Conservo este álbum até hoje, assim como minhas provas do curso primário em Ipueiras. Se meu pai ensinou-me cidadania e minha mãe o código moral do cristianismo, com minha avó aprendi a ter compaixão.

Quando leio Dalai Lama, lembro-me de minha avó. Vários autores manifestaram-se sobre a pedagogia da amizade. Faça um amigo e ele lhe dará ouvidos. O filme “A Noviça Rebelde” aborda, em linguagem cinematográfica essa proposta.

Não fui aluno de D. Isa, nem de D. Ester, nem de D. Diana, mas aprendi a respeitá-las. D. Isa, que conheci mais de perto, pelo “embrujo” como dizem os espanhóis. Ela sempre transpirou santidade. D. Ester, pelo heróico pioneirismo. Ela foi professora de Neném Mattos, meu pai. A D. Diana que conheci, admirava-a como musicista. Ela fazia a música da igreja, ao órgão. A gente chamava “harmônio”. Dividiu essa tarefa durante algum tempo com minha mãe. Minha avó também a adorava. Minha mãe reverenciava uma colega de Grupo Escolar, D. Augusta, mãe da Miraugusta e da Dalva. D. Estudilha era para nós a mulher culta, letrada. Lembro-me de D. Estudilha comprando os materiais didáticos da escola de meu pai quando ele deixou Ipueiras..

Nós nordestinos sabemos enriquecer a língua pátria. Cultivamos o termo “desasnar”, cujo significado vai além do termo alfabetizar. Significa a inclusão de um asno no universo da humanidade. Um ato de caridade. Pois bem, nossas mestras nos desasnavam...

Meus filhos mais novos, a Vanessa (hoje universitária) e o Ivan (com dez anos), recusaram a escola em tenra idade. Respeitei. Esperamos um ano ou até mais até que eles escolhessem a escola. O caso do Ivan foi mais eloqüente. Ele finalmente aceitou uma escola de Brasília que funcionava em uma área residencial. Não tinha “cara” de escola. Atendia crianças de classe remediada no pequeno bairro do Cruzeiro Velho.

Chama-se Recanto Cultural. O aluno era sempre recebido ao portão por uma “tia”. Sempre com um sorriso, mesmo que chegasse atrasado. Uma escola pequena, aconchegante. Lembro-me de ver um recreio (ou atividade esportiva) deles. Uma “pelada”, com bola pequena, no meio da rua. Como fazíamos em Ipueiras. Duas pequenas toras de madeira marcavam o gol.

Improvisação genial. Uma “tia” tomava conta. Chorei na formatura de 3ª. Série do Ivan. Em parte por orgulho de pai. Em parte por saudade da escola. Dali, por recomendação, ele foi para uma escola chamada Mundo Mágico. Nesta, as atividades matinais iniciavam-se às 7,30. As crianças de todas as turmas eram reunidas em um salão aberto onde faziam um rápido alongamento, declamavam poesias e rezavam o Pai Nosso. Só então, perto de 8 horas dirigiam-se às salas de aula. Às sextas-feiras hasteavam nossa bandeira e cantavam o Hino Nacional. Essas ações acomodavam os que chegavam atrasados e satisfaziam, a meu ver, a paranóia do MEC (200 períodos de 5 horas por ano!). Ao portão, uma “tia” bonita e simpática beijava todas as crianças que chegavam.

Difícil adaptar-se a outra escola quem nessa estudasse. Concordam? Eu não consigo falar de educação sem mencionar a pedagogia da amizade. Seu custo é alto. Mas ela é edificante. Distante ainda de nós o aprendizado com estresse mínimo, sem traumas. Mas não custa sonhar.

Gostaria de falar também de formação integral e férias escolares, mas fica para uma outra oportunidade.

Professores também têm filhos. Movem-se, portanto, em mão dupla!

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