segunda-feira, 18 de junho de 2012

A VIAGEM DE NOSSAS VIDAS (II)


A VIAGEM DE NOSSAS VIDAS (II)

Jean Kleber Mattos 


O primeiro capítulo desta narrativa findou quando tomávamos a estrada do Canindé rumo a Ipueiras. Sete pessoas estavam na Van. Além do primo Valderi ao volante, eu, minha mulher Heloisa, meus filhos Vanessa e Ivan, minha prima Salete e seu sobrinho Pedro.  A chegada a Ipueiras estava prevista para treze horas. Almoçaríamos na casa de minha tia Francisca Matos (irmã de meu pai), mãe da Salete, antes de nos acomodarmos na cidade.
Próximo das treze horas a Serra Grande já se descortinava à nossa frente, cada vez mais perto, bela como sempre. Não demorou, estávamos rodando ao lado da ferrovia. Paramos a uns duzentos metros da estação ferroviária, na porta da casa de minha tia.
Ao desembarcarmos, perguntei ao Ivan:

-Lembra do quadro no apartamento da Tereza Mourão? Olha lá...! E apontei para a estação. Ivan abriu a boca e marcou o momento com uma expressão bem própria de sua geração:

- Caráca, véio! É ela!

Almoçamos baião de dois com galinha caipira e carne assada. Fiquei encantado com o imenso quintal, cheio de aceroleiras. Um grande pé de siriguela dominava a cena. De lá partimos a procura de hotel. Demos no “Caravelle”, lá no Vamos Ver. De cara, já gostei. Estilo colonial. Sou fã. 

À noite, a circulada noturna pelos caminhos de minha infância, hoje preenchidos por novos prédios e atrações. Remanescem, contudo, muitos marcos: a estação ferroviária, o primeiro a ser visto, depois, a casa de Pedro Aragão. Lá aconteceu o nosso emocionado encontro com a esposa Dolores, minha tia-prima. Também lá encontrei Rita, sua filha adotiva que conhecera quando criança. A lucidez e a elegância de D. Dolores me impressionaram vivamente. Curiosas e agradáveis reminiscências familiares vieram à tona em nossa conversa. Não pude deixar de admirar mais uma vez o belo piso ladrilhado daquela casa. A residência sempre me encantou desde menino. Tive saudade das antigas roseiras.

Paramos diante do portão das casas dos falecidos prefeitos: Sebastião Matos e Tim Mourão. Também diante da prefeitura. Descemos para admirar. A Igreja ainda estava toda iluminada. Como no fim do ano. O Cristo do morro era visto de qualquer ponto da cidade. Passamos várias vezes sob o belo Arco de N.S. de Fátima. No trajeto, eu contava as histórias.

Não me descuidei de curtir as duas casas nas quais passei a minha infância: primeiramente a de seu Hermógenes, que mantém a antiga arquitetura, na praça da matriz, hoje pertencente a um ilustre membro da família Aragão. Também fui à “casa de dona Adelaide”, a do Educandário, na antiga Praça Getúlio Vargas, hoje remodelada para o padrão hodierno de escola, com o nome de Escola de Ensino Fundamental Creusa Melo.

Admirei o açude. Décadas passadas eu o atravessei a nado, quando adolescente e atleta de natação em visita à cidade. Ele hoje tem a moldura do calçadão, lembrando a famosa Praia de Copacabana do Rio de Janeiro. Tomamos sorvete, alguns fabricados em Santa Quitéria, na praça central da cidade, ao som da música da Radio Macambira. Velhos sucessos.

Meu filho Ivan encantou-se com os bichos de fora do seu cotidiano: galinhas, cabras, bodes, cabritos e porcos “varudos”. Conviveu e desfilou com os caprinos. Os porcos, apenas admirou. Quase javalis, passaram ao largo. Sua grande aventura era escalar o pé de siriguela do hotel, frondoso, ao lado de duas oiticicas.

Sábado, fomos à feira. Eu procurava os doces e amiláceos da minha infância: palmas, manzapes, rapaduras, batidas e alfenins. Encontrei-os todos. Fotografei. A máquina, uma “Asahi Pentax” antiga, nada tinha de discreta. Em dado momento um feirante exclamou: “tem turista na feira!” Sorri junto. Minha mulher Heloisa e minha filha Vanessa apreciavam a culinária, as confecções e os produtos de beleza. Encantavam-se com os contrastes. Dos vestidos baratos da feira às roupas e sapatos “de marca“ das lojas e “boutiques”. Fizeram compras. Só na feira. Sacolas pesadas. Rapaduras, “batidas” e alfenins eram os itens preferidos.

Ainda na feira um moço me perguntou se íamos à Nova Russas. Ofereceu passagens num transporte coletivo. Uma camionete D-20, com a carroceria adaptada para o transporte de passageiros. Bancos simples de madeira. Tábuas serradas. Prático. Trafegam apinhadas. Gente pendurada. A cidade é cheia de motos, o que é comum no interior. Muitas jovens e senhoras pilotando. Às vezes, uma família inteira em cima. O piloto, o filho menor na frente e a esposa na garupa com o nenê no braço.

Subimos o morro do Cristo. Que lindo! Mais de trezentos degraus na branca escadaria que lhe dá acesso. Iluminado à noite, braços abertos, abençoa a cidade. Visão agredida pelas torres de telecomunicação. Fotografamos, como de costume, a vista panorâmica da cidade.

Impressionou-me o rio Jatobá nessa época seco e com as margens cheias de lixo e entulho, pelo menos no trecho que corta a cidade. Os plásticos, lixo abundante de lenta degradação, preocupam os ecologistas do planeta.

Novidades para mim, o Instituto Frota Neto, o Ginásio José de Arimatéia, o novo endereço da Farmácia São José, do saudoso Idálio Frota, na praça central da cidade, também conhecida como “Farmácia da Ruth”. Não encontrei Ruth. Estava em Fortaleza. Encontramos Carlinhos, seu filho, atendendo. A ele entreguei os exemplares do livro “Educação: Insistências e Mutações”, de Marcondes Rosa de Sousa, doação do autor à biblioteca do Instituto Frota Neto. Gentil, prontificou-se a contatar a Lurdite para que, mesmo no domingo, conhecêssemos o interior do instituto. Faltou-nos tempo.

Como sempre, o calor. E à noite, as cadeiras na calçada à frente das residências. As rodas de conversa. Papo animado. Hábito noturno para por os assuntos em dia e refrescar-se à brisa..

O trem ainda passa por Ipueiras. Apenas carga. Leva materiais ao Piauí e ao Maranhão. De lá, do Maranhão, traz, entre outros produtos, alumínio. Menos mal, pois pensei que os trilhos estavam ociosos haja vista ao aspecto ermo da Estação. Minha tia Francisquinha relatou a passagem, não raro, de duas a três composições por noite. Senti saudade do tempo em que o transporte ferroviário de passageiros fazia o charme da viagem à cidade.

Na manhã do dia 19 recebemos no hotel a visita de Dalinha, minha amiga ipueirense da Internet, poetisa e escritora. A musa literária da cidade. Nosso primeiro encontro. O privilégio de conhecê-la pessoalmente! Compartilhamos um tijolo de mamão, aquela rapadura molinha e gostosa.

Faltava enfim o acontecimento mor do dia 19, marcado para o final da tarde: as Bodas de Ouro de seu Zeca Frosino e D.Maria. Viéramos de Brasília preparados para a festa, a convite dos filhos de seu Zeca, amigos nossos que também moram na capital. Mas esse episódio fica para o terceiro capítulo.

Nada como um forró no melhor estilo do “Corte Branco”, o clube do seu Zeca.

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