domingo, 27 de dezembro de 2009

IPUEIRAS DE FÉ


Por
Jean Kleber Mattos / Brasília -Agosto-2006
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O primeiro casamento religioso que eu vi, foi em Ipueiras. Final dos anos quarenta, século vinte. Foi o casamento de meu padrinho de crisma, José Costa Matos com a ipueirense Alderi Moreira. Quando se é criança vê-se tudo maior, daí foi a cerimônia mais grandiosa que testemunhei nesta vida. Bonita e poderosa. Paramentos de gala com as cores do Vaticano. Fios d´ouro à vontade. Padre Francisco Correia Lima, o vigário, oficiou.

A fumaça branca emanada do turíbulo embalado pelo acólito em movimentos pendulares, dava um toque mágico ao ambiente do altar-mor. Se bem me lembro, o acólito vestia uma batina vermelha. Por sobre ela, uma sobrepeliz branca, com mangas rendadas. Também uma pala vermelha. Meus conhecimentos sobre liturgia católica são escassos, mas acho que era isso.

Lembro-me de umas flores brancas artificiais muito bonitas que surgiam no altar principal em dias de festa. Adonias era o sacristão. Acendia e apagava os candelabros. Havia uns cilindros brancos que pareciam velas. Não eram. Cotos de vela eram habilmente encaixados num depósito no ápice da peça. Estes sim, velas de parafina. O acendedor era uma peça metálica na extremidade de uma vara. Também servia para apagar. Tinha um pavio e um abafador em forma de cone metálico. Tudo na mesma peça.

Aquilo tudo me encantava. Queria ser padre. "Celebrava" missas em casa. Procurava imitar os movimentos do padre. Pequenas bolachas tipo "Ceci" faziam as vezes de hóstia, para delícia dos colegas. A comunhão era sem dúvida o momento mais aguardado.

Lembro-me de minha primeira comunhão. Meus pais envolveram o Educandário na celebração. Ofereceram um café da manhã a todos os alunos. Pediram-lhes que comparecessem vestidos de branco. Os que já haviam feito a primeira comunhão comungaram comigo. Depois da missa, o café "apoteótico" na sede da escola. Todos haviam sido convidados. Uma festa para ninguém esquecer.

E o jejum para a comunhão?. Às vezes batia a hipoglicemia. As velas pareciam tremular um pouco demais. Leve desmaio. "Agonia", dizia-se. Recuperação rápida.Eu gostava da cerimônia de "Te Deum", realizada sempre ao anoitecer. É rápida e bonita, bem ao gosto de uma criança. O ouro do cálice, a custódia dourada e radiante, o "design" do sacrário. Um encanto!

Gostaria de acolitar, mas era muito criança. Frota Neto, Nemésio, Marcondes e mais alguns, que eram maiores, já acolitavam a missa em latim. Meu amigo Nemésio, filho de "seu" Edmundo, ainda deu-me algumas lições, mas não adiantou:

- Introibo ad altare Dei...!

- ........!

- Qual é a resposta?

- Esqueci...

- Ad Deum qui lætificat juventutem meam!

Minha avó, D. Luizinha, com desvelo, confeccionou uns paramentos de cor verde, adequados ao meu tamanho. Fez-me a surpresa aproveitando um regresso meu de Fortaleza. Inesquecível.

Festas dos santos com quermesses, leilões e queima de fogos. Lembro-me de um avião artesanal que nas noites de festa corria num fio, propelido por pólvora. Ele partia da torre da igreja e ao chegar próximo ao solo, explodia. Neste momento, na Praça da Matriz, ficávamos com a respiração suspensa. Numa noite, a explosão retardou e um colega meu tentou segurar o brinquedo que então explodiu. Queimadura grave. Danos às mãos.

O menino, filho de "seu" Gonçalo Ximenes, teria que esperar a lenta cicatrização com a mão enfaixada. Foi, durante algum tempo, o herói da meninada.

E as procissões? Andores enfeitados com flores diversas e aspargo ornamental. A impressionante rigidez das imagens. Filas de fiéis caminhantes, alguns exibindo as fitas identificadores das congregações religiosas: Marianos e Filhas de Maria em destaque. Tudo isso ao som dos hinos, contando com a harmonia da banda de música local: "Da nossa fé oh Virgem...o brado abençoai...Queremos Deus...Que é nosso Rei...Queremos Deus...Que é nosso Pai..."

Havia um hino de beleza ímpar, que era entoado na hora da comunhão. Aí, destaque para a professora Diana ao "harmônio": "Jesus nosso Pai...Jesus Redentor...Te adoramos...Na Eucaristia...Jesus de Maria...Jesus Rei de amor!" Este maravilhoso hinário ainda hoje me inspira, muito embora não seja assíduo à Igreja Católica atualmente.

O escritor e cronista Carlos Heitor Cony, que se diz ateu, volta e meia é visto entre os fiéis, participando de missas no Rio de Janeiro. Ele também se encanta com a beleza da liturgia católica.

Somente uma cerimônia me assustava. A missa de requiem. Paramentos negros com realces brancos. O contraste total. Atmosfera pesada. Perda e sofrimento. Na véspera, o sino em toque compassado anunciando a jornada do féretro. A misericórdia da Igreja, conforme enfatizaria no futuro, o dramaturgo Nelson Rodrigues.Quase sempre aos domingos eu via, à porta da igreja, um ou outro "anjinho" em seu pequeno esquife de cor azul clara, ornamentado com flores de "Jasmim de Caiena". Cerimônia fúnebre. Os altos índices de mortalidade infantil refletiam o subdesenvolvimento da região. Impossível falar minimamente sobre a Igreja Católica na Ipueiras daqueles idos, sem mencionar as ladainhas vespertinas que se seguiam à reza do terço. Tudo em latim. Público predominantemente feminino. As Filhas de Maria, as donas de casa e suas crianças.

-Sancta Maria,

-Ora pro nobis.

...Sancta Dei Genitrix, Sancta Virgo virginum, Mater Christi, Mater divinæ gratiæ, Mater purissima, Mater castissima...Lembro-me de uma professora, Zélia, amiga de minha mãe, coordenando a reza.

Quando estive em Ipueiras em 1962, com dezesseis anos, ouvi, de viva voz, em presença de minha mãe, D. Mundita, e da prima Carlinda, o relato fantástico de dois ipueirenses miraculados.

Madrugada do dia nove de novembro de 1953. Começavam os preparativos para a partida da imagem peregrina da Virgem de Fátima, vinda de Portugal e que visitava Ipueiras. Os fiéis gritavam "vivas" a Nossa Senhora. De repente um "viva" diferente se ouviu. Era Vicente, o padeiro mudo, que acabara de aclamar a santa. Bem perto dali, ainda na Praça da Matriz, bem ao lado da igreja, a mãe da catequista Isa Catunda, quase cega de catarata, disse à filha que iria para casa, que era próxima. A filha aquiesceu e disse: "eu levo a senhora". "Não precisa", respondeu a mãe: "estou vendo o caminho."..

Os milagres foram relatados mais tarde no livro "Vendo a Vida Passar" de Padre Francisco Correia Lima, com trechos reproduzidos no livro "Quase" de Frota Neto, e por Marcondes Rosa, em crônica, no site de Ipueiras.

Em regozijo, Ipueiras fez construir na rua General Sampaio, em frente à casa do padre vigário, um arco, que Frota Neto em seu livro "Quase" chamou de Arco do Triunfo de N.S. de Fátima. O monumento é hoje de alvenaria, e feito, segundo Bérgson Frota, em artigo sobre o tema no blog de Ipueiras, pelo mesmo arquiteto que fez o Cristo de Ipueiras, Pedro Frutuoso. A obra foi concluída em 1954.
É o arco que representa o triunfo da fé do povo de Ipueiras !
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Foto: site hjobrasil.com

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