domingo, 27 de dezembro de 2009

O JIPE VOADOR


Por
Jean Kleber Mattos / Brasília -Jan. 2007

Estava com dezesseis anos quando, em 1962, retornei a Ipueiras. Oito anos haviam decorrido desde a partida em janeiro de 1953. Viajei de trem com minha mãe, D. Mundita, e a prima dela, Carlinda, professora de piano. Curta permanência. Apenas alguns dias.
Hospedamo-nos na casa de meu padrinho, Costa Matos. Lá, fui apresentado a um sobrinho da Alderí também adolescente e hóspede em férias. Bom companheiro.
Em moda na TV da época, os espetáculos marciais: "Tele Catch". À tarde, para diversão das crianças, o Lalú e o Carlito, filhos do Costa Matos, simulávamos uma luta de boxe como na TV. Encarapitados nos berços e redes, os meninos divertiam-se com o "show". Volta e meia um golpe mais duro escapava. Pedidos de desculpas. Quase não lembrava hoje do real nome do colega, Marconi, pois Costa Matos, exímio em colocar apelidos, o chamava de “Galante”. Uma óbvia referência ao perfil de paquerador, com capricho no vestir e pentear que lhe compunham a figura.
Localizei recentemente o Carlito, engenheiro de pesca Carlos Maria Moreira Costa Matos, Chefe de Gabinete do Ibama-Ceará. Lalú formou-se em medicina. É o Dr. José Cláver Moreira Costa Matos, famoso médico com destacada atuação em Fortaleza, no tratamento de crianças vítimas de incêndio.
No roteiro de visitas, inevitável, os miraculados. A imagem milagrosa da Virgem de Fátima estivera em Ipueiras em 1953 e dois amigos nossos, o Vicente que era mudo e a mãe da Isa Catunda, antes quase cega pela catarata, haviam sido recompensados por sua fé e devoção. Incrível ver o Vicente falar. Emocionante ver a mãe da Isa enxergar. Visitamos também Tia Catarina que havia morado no Videl, e D. Augusta, professora, amiga de minha mãe.
De início, o social pareceu prejudicado por minha condição momentânea de esportista. Sócio atleta de natação do Clube dos "Diários", eu somente permaneceria na equipe se atingisse a marca olímpica do clube nas provas que estavam por vir. Cuidava para não consumir álcool e dormir cedo, além de ser não fumante.
Eu já percebera que a cerveja era por certo a grande atração da rapaziada naquela idade. À noite íamos à praça principal encontrar as moças. Também comparecíamos às festas. Lá, encontraria meus primos Francisco e Manuelito. Lembro-me que o Carlito observava uma das festas à janela do Paço da Prefeitura. Em dado momento, comunicou-me que estava indo para casa, dormir. Preparei-me para acompanhá-lo, pois tratava-se de uma criança. Ele recusou dizendo que andava a vontade em Ipueiras, a qualquer hora do dia ou da noite.
Percebi então que a vivência em Fortaleza me fizera esquecer quão segura era a velha Ipueiras.
Algo me encantava de modo especial. A delicada beleza das moças. Hoje, passadas décadas, a memória alcança dois ou três nomes, se muito. Talvez porque a identificação se dava com mais ênfase no "filho de quem", que propriamente no nome de batismo. Assim, fazem eco em minha mente apenas os sobrenomes: Pinho, Catunda, Aragão, Mourão, Souza .... Enfim, os nomes das tradicionais famílias ipueirenses.
Em duas tardes, o ponto de encontro foi o Arco do Triunfo de N. S. de Fátima. Grupo misto. As moças comentavam sobre o ganho de indulgência a quem rezasse sob o arco. Lembraram-me de assumir uma atitude respeitosa no local. Padre Belarmino tinha especial zelo por aquele ambiente. Aviso desnecessário. Eu ainda estava impactado pelo encontro com os miraculados.
Numa tarde, alguns amigos convidaram-me para dar uma volta de jipe pela cidade. Findamos na pista de pouso, perto da estação de trem. O veículo era dirigido por Vavá, filho do Tim Mourão, ex-prefeito da cidade. Alguém falou que íamos levantar vôo. Fiquei curioso. De fato, o veículo partiu da cabeceira da pista. O motorista com o "pé embaixo". O ponteiro do velocímetro tremulava na marca dos cem. Os passageiros transpiravam adrenalina.
Faziam sucesso na época os "pegas" automobilísticos do filme "Juventude Transviada" protagonizado pelo "enfant terrible" James Dean. Eu estava ali vivenciando a versão Ipueirense. Genial!
Na volta de trem para Fortaleza, dois ou três colegas estavam junto. Iam à capital. Lembro-me que Manuelito integrava a comitiva. Demos preferência a viajar no vagão restaurante. Os amigos haviam mandado "baixar" algumas cervejas. 
Grande sucesso na época com o intérprete Miltinho, os versos da canção:
"Saudade! Criatura impertinente, entra no peito da gente e dói como não sei o que..." 
Nós cantávamos e batucávamos na mesa. Eu pensava na beleza singela de uma das moças de Ipueiras. Não conseguia esquecê-la. Percebia agora que a flecha de Cupido traspassara-me o coração. Havíamos prometido trocar cartas. Romântico.
Hoje os jovens comunicam-se pela Internet. Mensagens ultra-rápidas e coloridas. No início dos anos sessenta dominavam as cartas, postadas no correio. Demoravam a chegar, mas traziam o cheiro e a vibração da musa. Cartas eram cheiradas, beijadas e abraçadas. Por certo ainda o são, mesmo neste mundo "wébico" e globalizado. Resolvi por alguns momentos esquecer a "performance" atlética e acompanhar os amigos na cervejada.

Afinal, ninguém é de ferro!

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